A teoria da evolução representou, no século passado, fenômeno análogo ao que, alguns séculos antes, acontecera na astronomia com Copérnico: verdadeira revolução científica, fecunda de grandes desdobramentos, não apenas no campo da biologia. Com o evolucionismo desapareceu a imagem milenar do homem, imagem encarnada na teoria fixista, que falava de espécies fixas e imutáveis, existentes desde a sua criação. E se, com Copérnico, a revolução astronômica reorganiza a ordem espacial, dando à Terra e ao homem lugar bem diferente de antes no universo, com Darwin, a revolução biológica reorganiza a ordem temporal do homem. Com Copérnico e com Darwin, em substância, muda a teoria relativa ao lugar do homem na natureza.
Darwin (1809-1882) procurou estudar medicina e, depois, pensou em encaminhar-se para a carreira eclesiástica, mas, em 1831, embarcou como naturalista de bordo no bergantim inglês de três mastros Beagle (cujo capitão era Roberto Fitz-Roy), que se preparava para realizar uma exploração científica em tomo do mundo. A nave saiu de Devonport em 27 de dezembro de 1831 e aportou de volta em Falmouth em 2 de outubro de 1836. Darwin nos deixou uma viva descrição dessa sua aventura científica em sua Viagem de um naturalista ao redor do m.undo (1839; republicado, com variantes, em 1865).
Escreve Darwin em sua Autobiografia (publicada em 1887, cinco anos depois de sua morte, por seu filho Francis): “A viagem no Beagle foi de longe o acontecimento mais importante da minha vida, aquele acontecimento que determinou toda a minha carreira”. A viagem foi importante, mas também foi importante que, durante essa viagem, Darwin tenha estudado os Princípios de geologia, de Charles Lyell. Em sua obra, Lyell (1797-1875) sustentava a teoria de que, para explicar a história passada da Terra, deve-se recorrer a forças geológicas ainda atuantes, ou seja, àquelas mesmas causas que modificam e moldam a superfície da Terra e que (como os aluviões, os fenômenos do vulcanismo, as chuvas, o vento etc.) podem ser vistas atuantes ainda hoje.
Essencialmente, o “uniformismo” ou “atualismo” de Lyell afirma que a história passada da Terra deve ser explicada por obra das mesmas leis que explicam os fatos atuais. Confessa Darwin: “Desde a primeira observação que fiz em Santiago, nas ilhas de Cabo Verde, me dei conta da maravilhosa superioridade com que Lyell tratava dos assuntos de geologia, em relação a outras obras que levava comigo e às que li depois”. Partindo para a sua viagem com a ideia de que a “letra” da Bíblia estava com a razão, pouco a pouco Darwin teve que mudar de ideia sobre a história dos seres vivos.
Em 15 de setembro de 1835, o Beagle aportou nas ilhas Galápagos, um arquipélago do Pacífico. Aqui, Darwin encontrou-se diante de uma espécie de fringilídeos com bicos de proporções diferentes conforme a ilha em que viviam. Essas pequenas diferenças características impressionaram muito a Darwin. “Evidentemente, fatos como esse e muitos outros podem ser explicados com a suposição de que as espécies se modificam gradualmente”. Esse pensamento, diz Darwin, o obcecava. “Mas era igualmente evidente que nem a ordem das condições ambientais nem a vontade dos organismos (especialmente no caso das plantas) podiam servir para explicar todos aqueles inúmeros casos de organismos de todo tipo admiravelmente adaptados às condições de vida, por exemplo, o pica-pau ou a rã, adaptados para subir pelas árvores, as sementes que são disseminadas pela presença de garras e penas”.
Depois de sua volta à Inglaterra, Darwin trabalhou intensamente na coleta de fatos relacionados “com a variação dos animais e das plantas, tanto no estado doméstico como na natureza (…). Recolhi o máximo de fatos que me foi possível, especialmente os relativos às formas domésticas, enviando formulários impressos, conversando com os mais hábeis jardineiros e treinadores de animais e me documentando com amplas leituras”. O trabalho desenvolvido por Darwin nesse período foi imenso. Ele não tardou a perceber “que a seleção era a chave com a qual o homem havia conseguido obter raças úteis de animais e plantas. Mas, por algum tempo, continuou incompreensível como é que a seleção podia se aplicar a organismos que viviam na natureza”.
Entretanto, narra Darwin em sua Autobiografia, “em outubro de 1838, isto é, quinze meses depois que comecei minha investigação sistemática, aconteceu-me de ler os escritos de Malthus sobre a população. E, estando bem preparado para apreciar a luta pela existência, que continua em toda parte, pela passada observação dos hábitos dos animais e das plantas, logo me impactou o fato de que, nessas circunstâncias, as variações favoráveis tenderiam a se conservar e as desfavoráveis a serem destruídas”.
Com isso, Darwin tinha uma teoria sobre a qual trabalhar. E nela trabalhou por vinte anos, até o início do verão de 1858, quando Alfred Russell Wallace (1823-1913), jovem naturalista que naquele período se encontrava nas ilhas Molucas, expediu-lhe um ensaio intitulado Sobre a tendência das variedades a afastarem-se indefinidamente do tipo original e viu que Wallace propunha uma teoria como a sua. Foi assim que, solicitado por Lyell e pelo botânico Joseph D. Hooker (1817-1911), Darwin publicou nos Anais da Sociedade Linneana de Londres o ensaio de Wallace e um resumo do seu próprio manuscrito sobre a teoria da evolução, juntamente com uma carta ao botânico norte-americano Asa Gray (1810-1888), escrita em 5 de setembro de 1857.
Isso aconteceu em 1858. E, em 1859, finalmente, Darwin publicou o seu A Origem das Espécies pela Seleção Natural, sustentando precisamente que as espécies se originam da seleção, pelo ambiente, das mais aptas dentre as variações hereditárias existentes. Em suma, a seleção imprime uma orientação à evolução, já que determina uma adaptação dos organismos ao seu ambiente. Em outras palavras, a evolução pode ser vista como uma série de adaptações, cada qual adquirida ou descartada por determinada espécie sob a pressão do processo de seleção, durante longo período de tempo.
Tão logo saiu, o livro teve grande sucesso. Os 1250 exemplares da primeira edição foram vendidos no primeiro dia do aparecimento do livro. E também os três mil exemplares da segunda edição esgotaram-se rapidamente. Esse sucesso certamente deve ser creditado a inúmeras razões (e não por último ao tema da obra), mas Darwin o atribui sobretudo ao fato de, ao escrever seu trabalho, ele considerar por antecipação as possíveis objeções, de modo que o escrito se configurava como fortemente comprovado.
Mas quais eram exatamente as provas que sustentavam sua teoria? O próprio Darwin classificou as provas da teoria da evolução em cinco tipos principais: 1) provas extraídas da hereditariedade e da criação, particularmente as variações devidas à domesticação; 2) provas provenientes da distribuição geográfica; 3) provas provenientes dos testemunhos fósseis; 4) provas derivadas da “afinidade recíproca entre os seres vivos”; 5) provas provenientes da embriologia e dos órgãos rudimentares.
Na conclusão de A origem das espécies, Darwin observa que “autores” de elevada estatura parecem perfeitamente satisfeitos com a opinião de que cada espécie foi criada de modo independente. Entretanto, acrescenta ele, “pela minha mentalidade, harmoniza-se melhor com tudo o que conhecemos das leis impressas na matéria pelo Criador o conceito de que a produção e a extinção dos habitantes passados e atuais do mundo sejam derivados de causas segundas, semelhantes às que determinam a morte e o nascimento do indivíduo. Quando concebo todos os seres não como criações especiais, mas sim como descendentes diretos de alguns, pouco numerosos, seres vividos muito tempo antes que se depositassem as primeiras camadas do sistema siluriano, parece-me que eles saem nobilitados disso”.
Mas quais são “as leis impressas na matéria” de que fala Darwin? Essas leis, responde ele, “tomadas em sentido geral, são o desenvolvimento com reprodução, a variabilidade ligada à ação direta e indireta das condições de vida e do uso ou não uso em ritmo de incremento numérico a tal ponto alto que leva à luta pela vida e, consequentemente, à seleção natural, que, por seu turno, implica na divergência de características e na extinção das formas menos aperfeiçoadas. Portanto, da guerra da natureza, da carestia e da morte nasce a coisa mais elevada que se possa imaginar: a produção dos animais mais elevados. Há algo de grandioso nessa concepção da vida, com as suas múltiplas capacidades, que inicialmente foi dada a poucas formas ou a uma só forma, mas que, enquanto o planeta continuava girando segundo a lei imutável da gravidade, evoluiu e evolui, partindo de começos tão simples, a ponto de criar infinitas formas, extremamente belas e maravilhosas”. [Reale]