ritos funerários

A morte não nos rouba senão aquilo que nos é caro: este ser-aqui. Ora este roubo do ente é a revelação mais aguda de seu ser. É na retirada e na perda, na eminente iminência do desparecer, que o indivíduo singular se mostra subitamente e eternamente insubstituível. Na morte, o si cessa de se mostrar em seus perfis como a unidade contingente de aspectos variados. Não precisamos mais afastá-lo para que ele esteja aí na proximidade. Seu afastamento tem em suspenso nossa abordagem. E sem que possamos tomar sobre um ponto de vista, nós o recolhemos tal como nele mesmo, em uma simplicidade transcendente a toda experiência, como a essência do ser perdido.

Ora os ritos funerários cumprem a mesma coisa no objetivo. Eles não recolhem a essência do morto no cálice de uma alma individual. “Trata-se de um luto comum à raça inteira” (Ésquilo). Os ritos funerários são os instrumentos do trabalho do luto. A interpretação hegeliana dela é tão sóbria e clara quanto apurada. A morte é um estado de coisa que “acontece pura e simplesmente” e faz do morto precisamente uma coisa. Abandonada como toda coisa à dissolução das forças materiais – que a ignoram. A família “faz de modo que o que aconteceu seja todavia uma obra, a fim de que o ser, o estado último, seja ainda algo de querido” (Hegel, fenomenologia do Espírito II, 353). Que a morte seja uma obra e logo faça acepção daquele que ela suprime, eis bem a intenção ao mesmo tempo formulada e preenchida do ato ritual. O rito é performativo. Ele cumpre neste mundo a operação de um outro mundo, que se encontra ligado nele… mas porque ele mesmo é conforme a sua lei. [Maldiney]