microcosmo

(gr. mikrokosmos; lat. microcosmus; in. Microcosm; fr. Microcosme, al. Mikrokosmos; it. Microcosmo).

A correspondência entre o macrocosmo, que é o mundo, e o microcosmo, que é o animal e por vezes o homem, é tema filosófico antigo, que nasceu da tendência a interpretar todo o universo com fundamento no universo menor, que é o homem para si mesmo. Aristóteles expunha da seguinte maneira esse princípio de interpretação, a propósito da possibilidade do movimento autônomo: “Se isso é possível no animal, o que pode impedir que aconteça no mundo também? Se ocorre no microcosmo, pode acontecer também no cosmo grande; e, se ocorre no cosmo, pode acontecer também no infinito, se é possível que o infinito se mova e esteja em repouso em sua totalidade.” (Fís., VIII, 2, 252 b 25). Ora, essa é a objeção que Aristóteles faz a si mesmo, refutando-a ao negar a possibilidade de movimento autônomo do universo e ao admitir, por isso, o primeiro motor. A correspondência entre microcosmo e macrocosmo não é, pois, um princípio adotado por Aristóteles. Mas já em sua época era um princípio antigo, visto fundamentar a cosmogonia dos órficos, mais precisamente a doutrina de que o mundo nasceu de um ovo: e nasceu de um ovo porque é animal (cf. A. Olivieri, Civiltà greca nell Italia meridionale, Nápoles, 1931, pp. 23 ss.). Platão mesmo chamou o mundo de “grande animal” (Tini., 30 b), provido de alma e inteligência, assumindo, assim, como realidade literal uma correspondência metodológica; esse foi o sentido atribuído, depois dele, por estoicos, neopitagóricos e, em geral, por todos os que insistiram no caráter animado do universo.

A correspondência entre microcosmo e macrocosmo foi um dos temas preferidos da literatura mágica. A magia pretende dominar o mundo natural encantando-o ou domesticando-o como se faz com um animal; seu pressuposto é exatamente de que o mundo é um animal e de que todos os seus aspectos são controláveis com procedimentos que se dirigem a eles como a atividades vivas. A correspondência microcosmo-macrocosmo foi, portanto, um dos temas obrigatórios da magia renascentista. Cornélio Agripa afirmava que o homem reúne em si tudo o que está disseminado nas coisas, e que isso lhe permite conhecer a força que mantém o mundo integrado e utilizá-la para realizar ações miraculosas (De occulta philosophia, I, 33). Observações análogas repetem-se em todos os escritores renascentistas que admitem a magia (p. ex., Campanella, De sensu rerum, I, 10). Paracelso baseava toda a ciência médica na correspondência entre macrocosmo e microcosmo; por isso, exigia que ela se fundamentasse em todas as ciências que estudam a natureza do universo, quais sejam: teologia, filosofia, astronomia e alquimia (De philosophia occulta, II, p. 289). Quando a ciência deixou de lado o princípio antropomórfico na interpretação da natureza, a correspondência entre microcosmo e macrocosmo deixou de ser um guia útil de pesquisa e passou a ter aspecto de preconceito. Lotze, que deu o título de microcosmo à sua obra fundamental, só admite essa correspondência na forma do condicionamento que o mundo exerce sobre o homem, procurando reduzir o alcance desse termo a limites estreitíssimos (Mikrokosmus, VI, K, 1; trad. it., II, pp. 312 ss.). (Abbagnano)


HUMANO — MICROCOSMO

VIDE: macrocosmo; kosmos; mundo

Do grego micros = pequeno; cosmos = mundo.
O homem enquanto resumo, síntese e esplendor do mundo com o qual pode-se estabelecer correspondências termo a termo (pé = signo dos Peixes; veias = rios, por. ex.) no interior desta analogia geral.

Segundo o adágio sufi: “O homem é um pequeno cosmos, e o cosmos é como um grande homem”. (Titus Burckhardt)

Perenialistas: Perenialistas Microcosmo

Anaxímenes: Este pré-socrático teria feito a primeira menção do termo no Ocidente no século VI aC.

Marcia Sá Cavalcante Schuback: Excertos de “Para Ler os Medievais”

Ouvimos sempre falar que os medievais concebiam as coisas como um microcosmo. Mas o que é esse “microcosmo”, esse mundo em miniatura? De que modo as coisas, mesmo as mais inanimadas como a pedra, possuem chispa de alma e vida? Uma-pedra-aí é, para o medieval, testemunho de toda a história da criação. Ser um microcosmo, ter chispa de alma é, em primeira instância, ser testemunho e sinal do ser-uno de deus. A questão aqui não é de uma cópia do mundo em formato menor, mas a de ser sinal. Ao se dizer, portanto, que o sentido medieval de ser é ser num pertencimento dinâmico, indica-se que o ser das coisas nunca se restringe a seus formatos, às suas características meramente extensivas. O ser das coisas ultrapassa, ao contrário, radicalmente todo formato, sendo coisa-sinal, coisa-palavra, coisa-indicação. É o que nos permite compreender a importância da doutrina das categorias na Idade Média. Por doutrina das categorias, a Idade Média entende a possibilidade de se redefinir as coisas como coisas-palavras, onde as coisas são a sua apreensão. A doutrina das categorias não busca, de modo algum, apreender as coisas “em si” mas, bem ao contrário, as coisas na possibilidade de sua apreensão. Uma ideia inadmissível para a Idade Média é a de uma coisa dotada de realidade independente da apreensão. A unidade própria de cada coisa já é a coisa em sua apreensão, sendo, desse modo, coisa-sinal. Isso nos permite, igualmente, aprofundar o uso do verbo participar, na passagem supracitada de Mestre Eckhart. Participar significa doar, conferir mas também comunicar. Esse duplo sentido não é mera ambiguidade de uma determinação imprecisa, mas a maior precisão de que o ser-parte das coisas significa, primordialmente, ser-sinal do ser-uno de deus. O pertencimento entre deus e as partes não se deixa, pois, apreender como simples somatório de corpos num espaço, como mero agregado. O pertencimento é, como dissemos, fundamentalmente dinâmico. O que especifica propriamente esse dinamismo não é, porém, um deslocamento dessas partes que se somam ou agregam num espaço determinado. O que caracteriza esse pertencimento dinâmico entre as partes e o todo é a constituição própria da parte como testemunho, sinal, indício. Ou, numa expressão mais formal, o que caracteriza esse pertencimento dinâmico é uma estrutura de sentido. O ser das coisas é apreensão de sentido divino. As coisas e seus lugares são, nesse horizonte de experiência, lugares de apreensão de sentido, sendo sempre a totalidade de todos os lugares apreendida em cada lugar.

Boaventura: Boaventura Mente, II, 2-3

É preciso ter em conta que este mundo, chamado macrocosmo, entra na alma, que é o mundo menor, pelas portas dos cinco sentidos com a apreensão, deleitação e discernimento dos objetos sensíveis. (…)

Correspondendo a estas coisas sensíveis possui o homem — este mundo menor — cinco sentidos como cinco portas, pelas quais entra na alma o conhecimento de tudo quanto há no mundo. De fato, pela vista penetram os corpos celestes, os luminosos e os coloridos; pelo tacto, os sólidos e terrestres; pelos três sentidos intermédios, a saber: pelo gosto, os líquidos; pelo ouvido, as impressões aéreas, e pelo olfato, as vaporosas, que são o resultado de uma mistura de ar, de calor e de umidade, como se vê pelo vapor que se desprende dos aromas.

Entram, pois, pelas ditas portas tanto os corpos simples como os compostos e as combinações de todos eles. Mas como pelos sentidos percebemos não somente os sensíveis particulares: luz, som, cheiro, sabor e as quatro qualidades “primárias” que o tacto percebe (frio e calor, secura e umidade), como também as sensíveis comuns, que são: o número, a figura, a magnitude, o repouso e o movimento, e que nos inertes “tudo o que se move é movido por outro”, e que os viventes se movem ou param por si mesmos, deduzimos — ao observar por estes sentidos os movimentos dos corpos — a existência dos motores espirituais, como se deduzem as causas por seus efeitos.

Nicolau de Cusa: Da Douta Ignorância
É a natureza humana aquela que foi posta acima de todas as obras de Deus e pouco abaixo dos anjos, aquela que encerra em si a natureza intelectual e a natureza sensível, e que resume em si o universo: é um microcosmo ou mundo pequeno, como a chamavam os antigos com justa razão. É ela que, elevada à união com a maximidade, seria a plenitude de todas as perfeições universais e particulares, de sorte que na humanidade tudo fosse elevado ao grau supremo.

Robert Fludd:

O homem forma por si mesmo todo um mundo denominado microcosmo, porque oferece em resumo todas as partes do universo. Assim a cabeça responde pelo empíreo, o peito pelo céu etéreo ou médio, o ventre pela região elementar. (Utriusque cosmi historia, 1617)


VIDE microcosmos

A analogia constitutiva do “microcosmo” e do “macrocosmo” é expressa na doutrina hindu pela fórmula: Yatha pinda Tatha Brahmanda, “tal o embrião individual (sutil), tal o Ovo do Mundo”. (Guénon)