luz

(gr. phengos; lat. lumen; in. Light; fr. Lumière; al. Licht; it. Lume).

Critério diretivo do pensamento e da conduta do homem, comparado à luz procedente do alto ou de fora. Para Aristóteles, a ação do intelecto ativo sobre a alma humana era comparável à luz que põe em ato as cores que no escuro estão somente em potência (De an., III, 5, 430 a 15). Os estoicos falavam da faculdade sensível e da representação cataléptica como de uma “luz natural”: “Como uma luz natural para o reconhecimento das verdades, foram-nos dadas a faculdade sensível e a representação gerada através dela” (Sexto Empírico, Adv. math., VII, 259). E Cícero dizia: “A natureza deu-nos minúsculas centelhas que nós, estragados pelos maus costumes e pelas falsas opiniões, apagamos, levando ao total desaparecimento da luz natural” (Tusc, III, 1, 2). Plotino fala do Bem como “luz que ilumina o intelecto” (Enn., VI, 7, 24). Mas foi só com S. Agostinho que a noção de luz tornou-se fundamental, difundindo-se através de sua obra e permanecendo viva na tradição ocidental. S. Agostinho atribui aos estoicos o mérito de ter visto em Deus “a luz das mentes” (De civ. Dei, VIII, 7). Essa luz é a condição para o verdadeiro conhecimento e para a comunicação de verdades. A luz da verdade que, partindo de Deus, ilumina diretamente a alma e a guia é o conceito central da filosofia agostiniana. “Mesmo os ignorantes” — diz S. Agostinho — “quando bem interrogados, respondem corretamente acerca de algumas disciplinas, pois neles está presente, na medida em que podem recebê-la, a luz da razão eterna, na qual veem as verdades imutáveis” (Retractiones, I, 4, 4). Isso significa que o funcionamento natural do intelecto humano exige a presença da luz divina e que, para o homem, o conhecimento da verdade é a visão da verdade em Deus, possível graças à direta iluminação divina. Nos primórdios da escolástica essa doutrina foi reproduzida por Scotus Erigena (De divis. nat., II, 23), mas nas suas fases posteriores passou a ser um dos maiores pontos de divergência entre a corrente agostiniana e a aristotélica. Essa divergência é tipicamente expressa pelas posições de S. Boaventura e de Tomás de Aquino. S. Boaventura refere-se às palavras de Agostinho, “que, com letras claras e razões, demonstra que a mente, em seu conhecimento certo, deve ser dirigida por regras imutáveis e eternas; não através de uma de suas disposições (habitus), mas diretamente por essas regras, que estão acima dela, na Verdade eterna” (De sciencia Christi, q. 4). Tomás de Aquino admite que “tudo aquilo que se sabe com certeza deriva da luz da razão que, por obra divina, é inata interiormente no homem” (De ver., q. 11, a. 1, ad 13). Mas interpreta aristotelicamente essa luz como o conhecimento inato dos primeiros princípios indemonstráveis “conhecidos graças à luz do intelecto agente” (Contra Gent., III, 46). Em outros termos, o conhecimento humano da verdade não é visão em Deus, ou iluminação direta por parte de Deus: é o uso de uma “forma” que Deus comunicou à mente humana e que constitui, portanto, a “luz natural” dela (S. Th., I, q. 106, a. 1). Dessa luz natural Tomás de Aquino distingue a luz da glória (lumen gloriaé), que torna a criatura racional “deiforme”, capaz de ver a essência divina; nega que a luz da glória possa ser uma disposição natural do homem (Ibid., I q. 12, a. 5); diz o mesmo sobre o lumen gratiae, a graça justificante (Ibid., I, q. 106, a. 1).

O significado do conceito de luz em Agostinho, que é de iluminação contínua por parte de Deus, conserva-se nas doutrinas de inspiração agostiniana no mundo moderno e contemporâneo. Para elas, o conhecimento é uma “visão em Deus”: Malebranche (Recberche de la vérité, III, 2, 6), Rosmini (Nuovo saggio, § 396) e Gioberti (Introd. alio studio della JiL, II, p. 175). Por outro lado, de acordo com a segunda interpretação, a luz natural acaba perdendo qualquer conexão teológica. O título que Descartes deu a um diálogo inacabado, que deveria sintetizar sua filosofia, demonstra o modo como ele entendia essa noção: “Busca da verdade com a luz natural que, por si só, sem o auxílio da religião e da filosofia, determina as opiniões que um homem honesto deve ter sobre todas as coisas que possam ocupar seu pensamento, luz que penetra até os segredos das ciências mais curiosas.” Assim entendida, a luz natural é o “bom senso ou razão” que, nas primeiras linhas do Discurso do método, é considerada “a coisa mais bem distribuída do mundo”; sobre ela se diz, em Princípios de filosofia (I, 30): “A faculdade de conhecer, que nos foi dada e que nós denominamos luz natural, só percebe objetos verdadeiros, porquanto os apercebe, ou seja, conhece-os clara e distintamente.” Leibniz, por sua vez, afirma que “a luz natural supõe um conhecimento distinto” (Nouv. ess., I, 1, 21) e Wolff entendia por “luz da alma” a “clareza das percepções” (Psychol. empírica, § 35). Nestes empregos, essa palavra não tem mais nada do significado tradicional, de luz que, proveniente de fora ou do alto, penetre na mente humana para guiá-la. A luz natural aqui é somente a clareza do pensamento humano. Ao falar da máxima “É preciso seguir a alegria e evitar a tristeza”, Leibniz afirma: “Trata-se de um princípio inato, mas que não faz parte da luz natural, pois não fica sendo conhecido de maneira luminosa” (Nouv. ess., I, 2, 1). O significado que a expressão “as luz” assumiu no período iluminista é esclarecido por Leibniz. As luz são a clareza da crítica racional aplicada a todos os campos possíveis do saber e usada como critério diretivo do pensamento e da conduta do homem. (Abbagnano)


(lat. lux; in. Light; fr. Lumière, al. Licht; it. Lucé).

Para certa tradição filosófica, cuja origem remota e provável estaria na religião persa que adorou Mitra como “Espírito da luz” (cf. Cumont, Oriental Religions in Roman Paganism; trad. in., p. 155), a luz é uma realidade privilegiada de natureza incorpórea, via de comunicação entre as regiões superiores do mundo e do homem. As características mais evidentes dessa doutrina são as seguintes: 1) a luz é uma realidade superior privilegiada: é Deus ou de Deus; 2) a luz é incorpórea e serve de ligação entre o mundo incorpóreo e o mundo corpóreo; 3) a luz é a forma geral (essência ou natureza) das coisas corpóreas. As primeiras duas teses são de caráter religioso e de claríssima origem oriental. A terceira é propriamente filosófica e caracteriza o agostinismo medieval.

Na filosofia ocidental, a metafísica da luz é introduzida por Parmênides: “E como se diz que todas as coisas são luz e noite, e como luz e noite estão presentes nisto e naquilo, segundo suas possibilidades, o todo é pleno de luz e ao mesmo tempo de invisível treva; luz e trevas são iguais, pois nenhuma prevalece sobre a outra” (Pr. 9)- A substancialização da luz é frequente em Enéadas de Plotino, em que às vezes não é fácil distinguir a luz como metáfora da luz como substância (p. ex., Enn., V, 3, 9; IV, 3, 17). Aparece com toda clareza nas especulações dos gnósticos, de direta proveniência maniqueista: “Antes que o universo visível tivesse origem subsistiam dois princípios supremos: um bom e o outro perverso. A morada do primeiro, Pai de Grandeza, era na região da luz Ele multiplicava-se em cinco hipóstases: Intelecto, Razão, Pensamento, Reflexão, Vontade” (Buonaiuti, Frammenti gnostici, 1923, p. 55). Num dos livros da Cabala, o Zohar, a luz é entendida como substância primitiva que às vezes aparece como céu, portanto como elemento no qual os outros se dissolverão no fim dos tempos (cf. Serouya, La Kabbale, Paris, 1957, pp. 346 ss.). Essa doutrina passou para a filosofia hebraica da Idade Média e, dela, para a escolástica cristã. Nesta, foi característica da corrente agostiniana, defendida especialmente pelos franciscanos. No séc. XIII, Roberto Grosseteste afirmava que todos os corpos têm uma forma comum que se une à matéria-prima antes de sua especificação nos vários elementos. Esta forma primeira é a luz “A luz” — diz ele — “difunde-se por si em todas as direções, de tal modo que de um ponto luminoso é imediatamente gerada uma esfera de luz tão grande quanto se queira, a menos que encontre o obstáculo de algum corpo opaco. Por outro lado, a corporeidade é aquilo que tem por consequência necessária a extensão da matéria nas três dimensões” (De inchoatione formarum, ed. Baur, 51-52). Roberto identificava assim a difusão instantânea da luz em todas as direções com a tridimensionalidade do espaço, portanto luz com espaço. Quase nos mesmos termos Bonaventura de Bagnorea afirmava que a luz não é um corpo, mas a forma de todos os corpos: “A luz é a forma substancial de todo corpo natural”. Todos os corpos dela participam em maior ou menor grau; segundo essa participação têm maior ou menor dignidade e valor na hierarquia dos seres. Ela é o princípio

da formação geral dos corpos; a sua formação especial é devida à superveniência de outras formas, elementares ou mistas (In Sent, II, d. 13 d. 2 q. 1-2). Na segunda metade do mesmo séc. XIII a Perspectiva de Witel expõe ideias muito semelhantes. “A ação divina expande-se no mundo através da luz As substâncias inferiores recebem das substâncias superiores a luz proveniente da fonte da divina bondade; em geral o ser de cada coisa provém do ser divino, toda inteligibilidade provém do intelecto divino e toda vitalidade, da vida divina. O princípio, o meio e o fim de todas essas influências é a luz divina, pela qual, através da qual e para a qual todas as coisas estão dispostas” (Perspectiva, ed. Baeumker, pp. 127-28). A óptica, que estuda as leis da difusão da luz, constitui inteiramente a física, porquanto todo o mundo físico é determinado pela difusão da luz (Ibid., p. 131). A última manifestação dessa física ou metafísica da luz talvez seja o projeto de Descartes de descrever o mundo do ponto de vista da luz “Assim como os pintores, não podendo representar no quadro todas as diversas faces de um corpo, escolhem uma das faces principais que voltam para a luz e, deixando as outras na sombra, permitem que delas apareça só o que se pode ver. também eu, temendo não poder pôr no meu discurso [no projetado livro sobre o Mundo, que depois não publicou] tudo que tinha em mente, projetei expor amplamente apenas aquilo que pensava sobre a luz Depois, na ocasião, projetei acrescentar algo sobre o sol e as estrelas fixas, porque é dessas fontes que ela deriva quase inteiramente; sobre os céus, porque a transmitem; sobre os planetas, os cometas e a terra, porque a refletem; em particular sobre todos os corpos que estão na terra, porque são coloridos, transparentes ou luminosos; por fim, sobre o homem, porque é seu espectador” (Discours, V). (Abbagnano)


SÍMBOLOS — LUZ

VIDE: FIAT LUX; PHOS; AOR; RADIAÇÃO

BÍBLIA: LUZ COMO SÍMBOLO BÍBLICO

Philon: LUZ PELA LUZ


CRISTOLOGIA
Evangelho de Jesus: Jo 1,4; Jo 1,5; CANDEIA ACESA

Mestre Eckhart: (Eckhart Sermão 10|#ES10-2|SERMÃO X))

Escoto Eriugena: VERDADEIRA LUZ; A LUZ DOS SERES HUMANOS; LUZ NA ESCURIDÃO

QUAKERS: Luz Divina do Cristo; DOUTRINA DA LUZ INTERIOR
A tradição mística, perpetuada pelos Reformadores Espirituais Protestantes, tinha-se tornado difusa na atmosfera religiosa do tempo quando George Fox obteve sua primeira grande “abertura” e conheceu, por experiência direta:

que cada Homem é iluminado pela Luz Divina de Cristo, e eu a via brilhar através de todas as coisas. E aqueles que acreditavam nisso deixaram a Condenação e chegaram à Luz da Vida e novamente tornaram-se crianças; e aqueles que a odiavam e nela não acreditavam foram por ela condenados, embora fizessem a profissão pública de Cristo. Isto eu via na pura Abertura de Luz, sem o auxílio de qualquer homem, pois nem eu sabia onde a encontrar nas Escrituras, embora mais tarde, buscando nas Escrituras, a encontrasse. (Do Journal de Fox)


Manuscritos do Mar Morto: LUZ


Gnosticismo: LUZ PARA O GNOSTICISMO


SUFISMO
Algazel: TABERNÁCULO DAS LUZES

Henry Corbin: HOMEM DE LUZ; LUZ VERDE


René Guénon: LUZ OU A MORADA DA IMORTALIDADE; A LUZ E A CHUVA

Frithjof Schuon: O PENSAMENTO: LUZ E PERVERSÃO; VÉU PROVENIENTE DA LUZ

Ananda Coomaraswamy: BELEZA, LUZ E SOM

Jean Tourniac: OS TRAÇADOS DE LUZ

Andre Allard: L’ILLUMINATION DU COEUR

Sobre a Luz Branca existencialmente conhecida no Desvelamento, é preciso entender que a Luz existencial é branca na medida que não desvela ao contemplativo «O Exemplar eterno (Arquétipo) à imagem do qual foi criado», como diz Ruysbroeck, quer dizer o Aspecto «colorido» do qual o contemplativo procede; mas esta Luz é entretanto «colorida» segundo a Clemência misericordiosa ou segundo a Justiça rigorosa, pois tudo isto que Deus criou, o fez por «seu Braço (ou lado) direito que guarda a Vida e a Clemência, por seu Braço (ou lado) esquerdo, que detém a Morte e o Rigor, e pela coluna do Meio, cujo coração é Tipheret, que harmoniza todas as oposições em sua unidade». Não, a princípio, que Deus tenha criado para fazer alternar implacavelmente Clemência e Rigor. Vida e Morte, em um Samsara (devir) submetido à necessidade, quer dizer, no final das contas, ao Rigor. Mas Deus utilizou o Rigor para promulgar leis limitativas, na ausência das quais não teria nenhuma finitude formal, e portanto, nenhuma Criatura; e, até o pecado original que foi transgressão da Lei das leis, o universo criado existia em regime de Clemência, esta recobrindo o Rigor e o tronando inaparente e inofensivo, desde que o homem, criado livre, continuasse a observar a única Lei da qual dependia sua vida.

Contendo nela os dois grandes aspectos de Clemência e de Rigor, a Luz Branca de Deus pode ser conhecida seja em regime de Clemência, seja em regime de Rigor. Logo ela é «colorida» na medida que é recebida como uma bendição ou como uma maldição. O Trono sobre o qual Alá está assentado é chamado «Trono da Clemência» segundo é ensinado que «Minha Misericórdia precede Minha Cólera». Aí onde reina a ordem divina (aos dois sentidos de comando e de harmonia), o Rigor divino não é abolido, mas é «coberto» pela Clemência. O Rigor, ou Justiça, não se manifesta senão aí onde há pecado; aí onde o pecado não é mais, a Clemência absorve o Rigor e a oposição Clemência-Rigor desaparece.