Quero precisar, em primeiro lugar, qual é o sentido de uma fenomenologia não-intencional. O projeto desta fenomenologia, à partida, parece crítico da fenomenologia intencional. E assim é, de facto, para dizer a verdade. Mais ainda: o seu alcance crítico de modo nenhum se limita à fenomenologia intencional, quer dizer, clássica, mas, para lá desta, visa a filosofia em geral numa parte importante do seu desenvolvimento. Neste sentido, a fenomenologia não-intencional assume um tipo de pretensão que pode parecer excessiva, mas cujo risco deve assumir. Tal pretensão crítica consiste em circunscrever e em denunciar uma concepção redutora da fenomenalidade, que deixa escapar os modos originais e fundamentais como a fenomenalidade se fenomenaliza. Se é sempre sobre o fundo de pressupostos fenomenológicos, conscientes ou inconscientes, que uma filosofia se desenvolve, [e se é sempre sobre esse fundo] que esta põe as suas questões e tenta resolvê-las, então uma crítica da fenomenalidade e, igualmente, da fenomenologia diz respeito necessariamente à filosofia em geral. Conceber a fenomenalidade de outro modo é, no mesmo movimento, não apenas obrigar a uma nova maneira de pensar, mas simultaneamente abrir novos campos de investigação.
Contudo, a fenomenologia não-intencional assume para si mesma a tarefa de fundar a própria intencionalidade. Ela mostra, por um lado, que a fenomenologia intencional se desenvolveu deixando numa indeterminação total — e mais: numa indeterminação fenomenológica —, o que ultimamente torna possível a intencionalidade. Por outro lado, restaurando fenomenologicamente o fundamento da intencionalidade, arrancando a vida intencional ao anonimato no qual, em Husserl, se perde, a fenomenologia não-intencional reinscreve a intencionalidade num fundamento mais antigo que ela e reconhece na intencionalidade o não-intencional que, não obstante, permite a sua realização. Reinscrita no não-intencional, que assume a sua última possibilidade fenomenológica, a intencionalidade é subtraída à incerteza e à indeterminação, as únicas que permitem um uso arbitrário ou aberrante do seu conceito. [Michel Henry]