Com o desaparecimento da antiga cidade–estado — e Agostinho foi, aparentemente, o último a conhecer pelo menos o que outrora significava ser um cidadão — a expressão vita activa perdeu o seu significado especificamente político e passou a denotar todo tipo de engajamento ativo nas coisas deste mundo. Convém lembrar que isto não queria dizer que o trabalho e o labor houvessem galgado posição mais elevada na hierarquia das atividades humanas e fossem agora tão dignos quanto a vida política. De fato, o oposto era verdadeiro: a ação passara a ser vista como uma das necessidades da vida terrena, de sorte que a contemplação, (o bios theoretikos, traduzido como vida contemplativa) era o único modo de vida realmente livre (v. modos de vida).
Contudo, a enorme superioridade da contemplação sobre qualquer outro tipo de atividade, inclusive a ação, não é de origem cristã. Encontramo-la na filosofia política de Platão, onde toda a reorganização utópica da vida na polis é não apenas dirigida pelo superior discernimento do filósofo, mas não tem outra finalidade senão tornar possível o modo de vida filosófico. O próprio enunciado aristotélico dos diferentes modos de vida, em cuja ordem a vida de prazer tem papel secundário, inspira-se claramente no ideal da contemplação (theoria). À antiga liberdade em relação às necessidades da vida e à compulsão alheia, os filósofos acrescentaram a liberdade e a cessação de toda atividade política (skhole), de sorte que a posterior pretensão dos cristãos — de serem livres de envolvimento em assuntos mundanos, livres de todas as coisas terrenas — foi precedida pela apolitia filosófica da última fase da antiguidade, e dela se originou. O que até então havia sido exigido somente por alguns poucos era agdra visto como direito de todos.
Tradicionalmente, e até o início da era moderna, a expressão vita activa jamais perdeu sua conotação negativa de «in-quietude», nec-otium, a-skholia. Como tal, permaneceu intimamente ligada à distinção grega, ainda mais fundamental, entre as coisas que são por si o que são e as coisas que devem ao homem a sua existência, entre as coisas que são physei e as coisas que são nomo. O primado da contemplação sobre a atividade baseia-se na convicção de que nenhum trabalho de mãos humanas pode igualar em beleza e verdade o kosmos físico, que revolve em torno de si mesmo, em imutável eternidade, sem qualquer interferência ou assistência externa, seja humana ou divina. Esta eternidade só se revela a olhos mortais quando todos os movimentos e atividades humanas estão em completo repouso. Comparadas a este aspecto da quietude, todas as diferenças e manifestações no âmbito da vita activa desaparecem. Do ponto de vista da contemplação, não importa o que perturba a necessária quietude; o que importa é que ela seja perturbada.
Tradicionalmente, portanto, a expressão vita activa deriva o seu significado da vita contemplativa; sua mui limitada dignidade deve-se ao fato de que serve às necessidades e carências da contemplação num corpo vivo. O cristianismo, com a sua crença num outro mundo cujas alegrias se prenunciam nos deleites da contemplação, conferiu sanção religiosa ao rebaixamento da vita activa à sua posição subalterna e secundária; mas a determinação dessa mesma hierarquia coincidiu com a descoberta da contemplação (theoria) como faculdade humana, acentuadamente diversa do pensamento e do raciocínio, que ocorreu na escola socrática e que, desde então, vem orientando o pensamento metafísico e político de toda a nossa tradição. [ArendtCH]