labor

VIDE trabalho

Do ponto de vista conceitual, a principal intervenção consistiu na alteração da tradução dos termos labor e work, traduzidos anteriormente por labor e trabalho e vertidos na presente edição como trabalho e obra – consoante as traduções italiana (lavoro, opera) e francesa (travail, oeuvre) e distintamente da tradução espanhola (labor, trabajo). Hannah Arendt antecipa as dificuldades da tradução quando indica quão inusitada é a sua distinção entre labor e work, no início da seção 11, no capítulo III. Ela insiste, entretanto, na centralidade dessa distinção e da sua diluição – cuja evidência fenomênica ela encontra na persistência nas línguas europeias, até a era moderna, de duas palavras para o que viemos a designar apenas como trabalho – para a compreensão do caráter da era moderna.

Para além do fato de que na sua discussão com Karl Marx e John Locke, por exemplo, ela recorra aos termos Arbeit e labor, para designar trabalho, e Werk e work, para designar obra ou fabricação, julgamos que, ao optarmos por trabalho e obra para traduzir labor e work, estamos em acordo com as precisas indicações de Arendt quando, por exemplo, ela compara as diversas línguas europeias na nota 39 à seção 6, no capítulo II, e, principalmente, na nota 3, no capítulo III, à seção intitulada The labour of our body and the work of our hands, em que afirma o seguinte: “assim, a língua grega distingue entre ponein e ergazesthai, o latim entre laborare e facere ou fabricare, que têm a mesma raiz etimológica, o francês entre travailler e ouvrer, o alemão entre arbeiten e werken. Em todos esses casos, apenas os equivalentes de labor têm uma conotação inequívoca de dores e penas. O alemão Arbeit se aplicava originalmente apenas ao trabalho agrícola executado por servos, e não à obra do artesão, que era chamada Werk. O francês travailler substituiu o mais antigo labourer e deriva de tripalium, uma espécie de tortura” A despeito de Hannah Arendt não mencionar o português, o que se aplica ao francês, etimologicamente, também se ajusta ao nosso idioma.

Ainda no início do capítulo III, ao comentar e buscar justificar sua distinção inusitada entre labor e work, Arendt indica ser linguisticamente fundamental o fato de que, a despeito da progressiva indistinção entre os dois termos na era moderna, reste um resíduo da antiga dessemelhança: o fato de a palavra labor, como substantivo, jamais designar o resultado final da atividade de trabalhar, para o qual frequentemente são empregados termos afins a work, mesmo nos casos em que a forma verbal correspondente a esses termos tenha se tornado antiquada. Essa observação nos permite comentar adicionalmente a opção por traduzir work por obra, e não por fabricação, a despeito de Arendt empregar como sinônimos ao longo do presente livro os termos work e fabrication (este último traduzido aqui sempre por fabricação), notadamente no que concerne à atividade designada por eles, uma vez que, com relação ao produto final da atividade, ela opte predominantemente por work. O estranhamento com a forma verbal de work transferiu-se para o português nas poucas ocasiões em que tivemos de verter expressões como work upon (operar em). Optamos por não inserir notas ao texto, mas sempre que tivemos de lidar com opções difíceis ou inusuais de tradução indicamos o original entre colchetes. [Adriano Correia, Nota à revisão técnica de ArendtCH]