método fenomenológico

VIDE métodos filosóficos

O vocábulo ‘fenomenologia’ foi usado, para significar um método especial e determinado, pela primeira vez, por Edmund Husserl, e, com a acepção de método da intuição intelectual e da descrição do intuído, é usado, consoante informa Bochenski, por “quase a metade dos filósofos atuais” (inclusive no presente manual).

O método fenomenológico é um procedimento especial de conhecimento. Essencialmente consiste numa visão intelectual do objeto, baseando-se numa intuição. Esta intuição se refere ao dado; a regra principal da fenomenologia diz assim: “às próprias coisas”, entendendo-se por “coisas” o dado, ou seja, o que se acha imediatamente presente à consciência ou o que se acha diante dela, sem estar envolvido por nenhuma categoria, antes de qualquer elaboração. Isto requer uma tríplice eliminação ou “redução”, chamada epoche: em primeiro lugar, deve ser eliminado todo o subjetivo ( a postura ante o objeto deve ser puramente objetiva); em segundo lugar, exclusão de todo o teórico (hipóteses, demonstrações ou outra qualquer forma de saber já adquirido), de maneira que tão apenas entre em questão o dado; e, em último lugar, exclusão de toda tradição, isto é, de tudo aquilo que veio se ensinando até o presente sobre o objeto. No próprio objeto dado é preciso executar uma dupla redução: 1) é preciso deixar de lado a consideração da existência da coisa e centrar a atenção exclusivamente em torno da quididade, ao que o objeto é; e 2), depois, é preciso separar desta quididade todo o acessório e analisar somente a essência da coisa.

Em todo este processo cumpre levar em conta o seguinte: a redução fenomenológica não significa o mesmo que negação. Tão apenas são desatendidos os elementos excluídos: faz-se a abstração deles e se considera unicamente o que resta. A redução eidética, da essência, não implica nenhum juízo valorativo acerca dos procedimentos que se excluem ou de outros aspectos; aquele que procede de acordo com o método fenomenológico não renuncia a posterior emprego de outros métodos e dos aspectos não considerados.

À primeira vista a intuição fenomenológica aparece como se fosse alguma coisa bem simples e que consiste, em última instância, em ter abertos os olhos ou a capacidade intelectual de visão, algumas vezes inclusive em valer-se de movimentos exteriores, como viagens, em tomar outra postura mais cômoda que apresente o objeto em melhores condições de visibilidade. Não parece necessário, à primeira vista, um método especial, que regule o próprio movimento do pensamento. Todavia, é necessário e por dupla razão:

1) o homem está estruturado de tal maneira que tem uma inclinação quase insuperável para ver mais do que existe no objeto. Estes elementos estranhos ao objeto o são ou por representações emocionais (assim, um homem covarde considera o inimigo duplamente forte), ou devido a outro saber adquirido que está unido ao objeto e que faz que projetemos nele nossas hipóteses, teorias, representações etc. Na redução eidética se trata nada menos que deve ver o objeto como é, nada mais, Para conseguir isto é preciso recorrer a uma método elaborado e posto em prática com esmero;

2) nenhum objeto é simples, porquanto todos são infinitamente complexos, já que constam de muitos componentes e aspectos que não são igualmente importantes. O homem não pode captar simultaneamente todos esses elementos, devendo considerar um após outro. Também isto requer um método pensado e praticado de antemão.

Para os fenomenólogos, pois, não só existe um método fenomenológico como é absolutamente necessário seu uso para proceder corretamente. [LWVita]


Husserl propõe-se estabelecer uma base segura, liberta de pressuposições, para todas as ciências e, de modo especial, para a filosofia. A suprema fonte legítima de todas as afirmações racionais é a visão, ou também, como ele se exprime, a consciência doadora originária (das originär gebende Bewusstsein). Devemos avançar para as próprias coisas. Esta é a regra primeira e fundamental do método fenomenológico. Por “coisas” entenda-se simplesmente o dado, aquilo que vemos ante nossa consciência. Este dado chama-se fenômeno, no sentido de que phainetai, de que aparece diante da consciência. A palavra não significa que algo desconhecido se encontre detrás do fenômeno. A fenomenologia não se ocupa disso, só visa o dado, sem querer decidir se este dado é uma realidade ou uma aparência: haja o que houver, a coisa está aí, é dada.

O método fenomenológico não é dedutivo nem empírico. Consiste em mostrar o que é dado e em esclarecer este dado. Não explica mediante leis nem deduz a partir de princípios, mas considera imediatamente o que está perante a consciência, o objeto. Consequentemente, tem uma tendência orientada totalmente para o objetivo. Interessa-lhe imediatamente não o conceito subjetivo, nem uma atividade do sujeito (se bem que esta atividade possa igualmente tornar-se em objeto da investigação), mas aquilo que é sabido, posto em dúvida, amado, odiado, etc. Mesmo nos casos em que se trata de uma representação pura, é preciso distinguir entre o” imaginar e o imaginado: quando, por exemplo, nos representamos um centauro, este centauro é um objeto que importa distinguir cuidadosamente de nossos atos psíquicos. De igual modo, o tom musical dó, o número 2, a figura círculo, etc, são objetos, não atos psíquicos. Contudo, Husserl rejeita o platonismo: este só seria verdadeiro no caso de cada objeto ser uma realidade. Husserl qualifica-se a si próprio de “positivista”, enquanto funda o saber sobre o dado.

Mas os positivistas cometem, segundo ele, erros grosseiros, dos quais importa que nos desembaracemos, se quisermos chegar à verdadeira realidade. Eles confundem o ver em geral com o ver meramente sensível e experimental. Não compreendem que cada objeto sensível e individual possui uma essência. Sendo o individual, enquanto real, acidental, ao sentido deste acidental corresponde precisamente uma essência ou, como diz Husseel, um eidos que precisa ser captado diretamente. Existem, portanto, duas espécies de ciências: ciências de fatos, ou fáticas (v. facticidade), que estribam na experiência sensível, e ciências de essências ou eidéticas, às quais compete a intuição essencial (Wesensschau), a visão do eidos. Mas todas as ciências de fatos se baseiam em ciências de essências, porque, em primeiro lugar, todas utilizam a lógica e em geral também a matemática (ciências eidéticas) e, em segundo lugar, cada fato alberga uma essência permanente.

As ciências matemáticas são manifestamente ciências eidéticas. A filosofia fenomenológica pertence à mesma espécie: seu objeto é constituído não por fatos contingentes, mas por conexões essenciais. É puramente descritiva, e seu método consiste, antes de mais nada, em descrever a essência. Seu processamento é um esclarecimento gradual, que progride de etapa em etapa mediante a intuição intelectual da essência. Ao abordar os fundamentos da ciência ela é “filosofia primeira” e procede com uma ausência total de preconceitos. Ao mesmo tempo, é ciência exata e apodítica. Seu exercício não é fácil; todavia, Husserl e seus discípulos mostraram que o método fenomenológico abre vasto campo a investigações extraordinariamente fecundas. [Bochenski]