averroísmo

(in. Averroism; fr. Averroisme; al. Averroismus; it. Averroismó).

Doutrina de Averróis (Ibn-Rosch, 1126-98), como foi entendida e interpretada pelos escolásticos medievais e pelos aristotélicos do Renascimento. Resumia-se nos seguintes fundamentos: 1) eternidade e necessidade do mundo: tese contrária ao dogma da criação; 2) separação do intelecto ativo e passivo da alma humana e sua atribuição a Deus; essa tese, atribuindo à alma humana só uma espécie de imagem do intelecto, despojava-a de sua parte mais alta e imortal; 3) doutrina da dupla verdade, isto é, de uma verdade de razão, que se pode extrair das obras de Aristóteles, o filósofo por excelência, e de uma verdade de : ambas podem opor-se. A principal personalidade do averroísmo latino foi Siger de Brabante, nascido por volta de 1235 e falecido entre 1281 e 1284. [Abbagnano]


Entre os acontecimentos que contribuíram para o florescimento da filosofia no séc. XIII, inclui-se a divulgação das obras completas de Aristóteles no Ocidente. Até então, do Estagirita, conheciam-se apenas os tratados lógicos, nas traduções latinas de Porfírio e Boécio. Os filósofos árabes e judeus traduzem, pela primeira vez, e comentam, as demais obras do discípulo de Platão, contribuindo, assim, de modo decisivo, para converter ao aristotelismo o pensamento cristão, dominado, até essa época, pela influência platônica e neoplatônica.

Averróis (Ibn Rochd) (1126-1198), natural de Córdoba, médico, matemático, jurisconsulto e teólogo, é também o principal representante da filosofia árabe. Acusado de heresia, foi deportado, falecendo em Marrocos. Além de traduzir e comentar as obras de Aristóteles, é autor de uma refutação de Algazel intitulada Destruição da Destruição (Tahafut al-Tahafut) e de várias obras sobre filosofia, lógica, física, medicina e astronomia.

Na tradição da escolástica, tenta conciliar a filosofia com o dogma. A filosofia, porém, se destina a uma elite, ou minoria, capaz de compreender os argumentos da razão, ao passo que a religião se destina ao grande número, às multidões incapazes de compreendê-los. Entre uns e outros, situam-se aqueles que, embora compreendam tais demonstrações, contentam-se em alcançar a probabilidade e não a certeza que decorre do conhecimento racional. A diversidade das interpretações não compromete, porém, a unidade do dogma, tal como se acha expresso no Alcorão.

Averroes sustenta, assim, a teoria da dupla verdade de acordo com a qual uma tese pode ser verdadeira em teologia e falsa em filosofia ou vice-versa. Defende a eternidade do mundo, que considera compatível com sua criação por Deus, e a da matéria, na qual sempre existiram, em gérmen, as formas das coisas criadas por Deus. Sustenta, ainda, para explicar a identificação do intelecto ativo, ou agente, com o inteligível por ele pensado, a unidade desse intelecto, do qual a intelecção humana seria mera participação.

A primeira tese implica a possibilidade de uma divergência, ou de um conflito, entre a verdade revelada pela luz sobrenatural da e a verdade conhecida pela luz natural da razão, como se a razão humana e a revelação não procedessem ambas de Deus. A segunda, da eternidade do mundo e da matéria, envolve a negação de que o mundo tenha sido criado a partir do nada, conforme o dogma cristão, ou a afirmação da impossibilidade de demonstrar essa tese racionalmente. A terceira, atribuindo unidade específica ao intelecto agente, acarreta a negação da imortalidade pessoal, pois o que há de eterno no indivíduo pertence, de pleno direito, a esse intelecto. Entende-se por averroísmo, em sentido estrito, a doutrina de Averroes e de seus seguidores. Em sentido amplo, determinadas tendências filosóficas, resultantes da interpretação averroísta de Aristóteles, em especial das três teses mencionadas.

No começo do séc. XIII, Miguel Escoto traduziu, para o latim, os comentários de Averróis ao De Caelo e ao De Anima, de Aristóteles. Amalrico de Bene (-1206/7) e David de Dinant (1200-), em suas obras divulgaram teses averroístas, muitas das quais foram condenadas, em 1270 e 1277, pelo arcebispo de Paris, Etienne Tempier. A condenação de 1277 referia-se, especialmente, à doutrina das duas verdades e à da unidade do intelecto agente, defendidas por Sigério de Brabante (1235-1284) e Boécio de Dácia (-1260).

A irrupção do Aristóteles arabizado nas Universidades europeias impunha um trabalho de exegese e de assimilação, pois não era possível nem aceitá-lo tal qual nem ignorar sua presença. A essa tarefa se consagraram Alberto o Magno e Tomás de Aquino, que leu e comentou as obras do Estagirita em traduções latinas feitas diretamente do grego. Contestando o averroísmo, São Tomás opera a conciliação, a síntese definitiva do pensamento aristotélico e da revelação cristã.

No final do séc. XIII e no começo do séc. XIV, representam o que já se chamou de segundo averroísmo Petro d’Abano (1257-) Jean de Jandun (-1328) e Marsílio de Pádua (1275-1343), que procurou aplicar a tese das duas verdades ao plano político, separando o espiritual do temporal, a Igreja do Estado.

A terceira etapa na história do averroísmo, que se estende do final do séc. XV até o começo do séc. XVII, é representada pela escola de Pádua onde a doutrina de Averróis aparece como uma das interpretações possíveis de Aristóteles, conciliável, em princípio, com a ortodoxia. Representam a escola Nicoleto Vernias (-1499) seu discípulo Agostinho Nifo (1473-1546), Alessandro Aquilini (1509-) e Marco Antonio Zimara (-1532).

As grandes teses do averroísmo tornaram-se, a partir do séc. XIII, um divisor de águas e sua influência ainda se faz sentir nas filosofias do Renascimento. [Corbisier]