introdução de palavras estrangeiras (latinas, gregas, alemãs, inglesas, francesas etc.) na linguagem filosófica. — Quando a palavra ou expressão estrangeira é mais curta e, por outro lado, intraduzível, o xenismo é legítimo; torna-se inútil quando existe o equivalente em português. Reter-se-á, em lógica, as expressões o priori e a posteriori, designando respectivamente uma ideia que, anterior a qualquer experiência, tem sua origem unicamente na razão, ou, ao contrário, é adquirida a partir dos dados da experiência. A locução ab absurdo (um raciocínio ab absurdo etc.) fornece-nos inversamente o exemplo da expressão estrangeira sem interesse, uma vez que se pode dizê-la tão breve quanto apropriadamente em português, pelo absurdo. A psicologia lança mão frequentemente do inglês, o que pode ser explicado pelo interesse a ela testemunhado desde sempre pelos anglo-saxões, mais atentos aos fatos observados do que às ideias abstratas: assim, a palavra behavior, que se traduz por “comportamento”, designa na verdade a reação global do organismo a um excitante e não possui equivalente exata.
A sociologia traz de suas prospecções entre os povos primitivos vários termos típicos, cujo significado exato põe em causa todo um contexto cultural e social que nos é totalmente estranho e para o qual não saberíamos encontrar, em nossa mentalidade, um equivalente exato. Estão nesse caso os termos totem, palavra de língua algonquina (América do Norte): imagem esculpida de um animal imaginário que é considerado o ancestral comum de cada membro do clã, ou ainda tabu, palavra polinésia: proibição visando objeto ou pessoa que não se poderia impunemente tocar ou mesmo chamar pelo nome, ou a noção de mana, igualmente tirada do polinésio, que é a força misteriosa e imanente que se crê ser o escondido motor de tudo o que vive.
A psicanálise vai buscar suas fórmulas tipos nos autores da Antiguidade latina e principalmente da grega. Entre as primeiras, encontra-se sobretudo a libido (literalmente: o “prazer”), considerada como o instinto da vida que nos impulsiona a agir em busca do prazer e, em sentido mais amplo, da felicidade. Entre as segundas, a acme, literalmente: “ponta”, que designa o ponto culminante de um fenômeno e, particularmente, de uma emoção; a psique (ou psyche), expressão que engloba, segundo Jung, “todos os fenômenos psíquicos conscientes e inconscientes”; o eros (ou eros), conjunto dos desejos do homem (“eros” inferior e “eros” superior); a catarse (ou katharsis), termo, também empregado em estética, pelo qual a escola freudiana designa um método particular de eliminação das perturbações mentais pela rememoração da ideia ou do choque afetivo que produziu aquelas perturbações.
A metafísica, que até o Discurso sobre o método era redigida em latim, dele conserva vestígios em nossos dias através de certas expressões como o ego, aspecto transcendental do “eu” empírico e que a fenomenologia diferencia desse último ou em certas fórmulas como cogito, versão resumida do “Penso, logo existo” cartesiano (Cogito, ergo sum). O vocabulário filosófico anexou também, desde o início do século, um grande contingente de palavras alemãs, o que permite avaliar o decisivo papel representado pelos povos nórdicos no enriquecimento da filosofia clássica: temos assim a noção de Dasein (literalmente: “ser aí”), que exprime na filosofia existencial o simples fato de existir “concretamente”. A noção de Weltanschauung renasce de maneira in completa na tradução portuguesa: “visão de mundo”; segundo Wilhelm Dilthey, é a síntese original das representações do mundo espiritual, tal como se constitui pouco a pouco na obra global de um autor, ou de um grupo cultural em uma determinada época. Temos ainda o Einfuhlung, que designa, por exemplo, o fato de nos sentirmos grandes quando franqueamos o portal de uma igreja gótica, e que se traduz por “intropatia”; a Gestalt, que se traduz por “forma” ou “estrutura” (Gestalttheorie: “teoria da forma”); a Sehnsucht, ou nostalgia romântica; o Gemut, que designa ao mesmo tempo a inteligência e o coração etc. Em conclusão, a linguagem filosófica somente acolhe as palavras e expressões estrangeiras por necessidade e sob a condição de que recuperem uma noção impossível de ser captada em português; sem o que, o xenismo restringe-se ao campo do pedantismo. [Larousse]