Em 1921 Kurt Gödel (então com vinte e cinco anos) publicou um trabalho intitulado Sobre sentenças formalmente indecidíveis no Principia Mathematica e sistemas relacionados. Gödel se referia à tentativa (de A.N. Whitehead e Bertrand Russell) no sentido de desenvolver um formalismo suficientemente amplo para poder enquadrar e demonstrar todo o corpus matemático até então desenvolvido. Esta tentativa foi publicada em 1913 sob o título de Principia Mathematica (273), e embora muitas das técnicas utilizadas pelos dois autores sofressem críticas “filosóficas”, o resultado global era impressionante, e parecia indicar que, muito brevemente, seria conseguido um formalismo satisfatório para todos os investigadores e ao mesmo tempo rico o bastante para fundamentar toda a matemática.
Mesmo assim, já antes do fim da segunda década do século alguns resultados teóricos pareciam levantar uma dúvida a respeito dessa possibilidade de formalização global. Em 1926, Paul Finsler (172, 96) apresentou um (aparente) paradoxo que sugeria a possibilidade da existência de proposições não decidíveis (isto é, de afirmativas cuja veracidade não poderia ser comprovada mecanicamente — v. máquina matemática) construídas em torno da aritmética. Em 1930 Gödel provou que o cálculo de predicados é completo, isto é, que o conjunto das proposições que podem ser demonstradas a partir dos axiomas do cálculo de predicados coincide com o conjunto das proposições “verdadeiras” deste cálculo (o cálculo de predicados é a linguagem utilizada por Whitehead e Russell para a dedução do corpus da matemática; o resultado de Gödel mostra que as proposições “verdadeiras” — a verdade, sendo um conceito semântico , é externa ao sistema — equivalem às proposições dedutíveis no sistema. Quer dizer, a visão “de fora” coincide com a visão “de dentro”).
Mas em 1931, em seu trabalho acima citado, Gödel provou dois teoremas de extrema importância. Diz o primeiro: se a formalização da teoria dos números é consistente, então ela é é incompleta. Diz o segundo: se a formalização da teoria dos números é consistente, então não há nenhuma prova de consistência que possa ser realizada dentro do sistema. Um sistema formal é “consistente” se não se pode provar, dentro dele, e simultaneamente, uma afirmativa e a sua contradição. Um sistema é completo se o conjunto das proposições demonstráveis coincide com o conjunto das proposições verdadeiras. Exponhamos rapidamente a base do raciocínio de Gödel levando ao primeiro teorema. Seja a seguinte afirmativa: A significa que A é não-demonstrável. Gödel construiu uma sentença “A” cujo significado era precisamente este (a sentença A faz uma referência a si mesma). Em seguida, Gödel supôs: sentenças falsas são não-demonstráveis.
Então A não pode ser falsa: se ela fôr falsa, “A significa que A é não-demonstrável” é falsa. Então A seria demonstrável. Mas A demonstrável e A falsa contradiria a nossa suposição de que sentenças falsas são não-demonstráveis. Mas A pode ser verdadeira, desde que seja não-demonstrável. Suponhamos que A é demonstrável. Então, “A significa que A é não-demonstrável” é uma sentença falsa. Sendo falsa, ela é não-demonstrável, já que supusemos que sentenças falsas são não-demonstráveis. Isto contradiz nossa hipótese a respeito da demonstrabilidade de A. Por redução ao absurdo (uma hipótese levando à sua contradição) vemos que a hipótese é errada, e que A deve ser não-demonstrável. Mostrando-se que a negação de A, não-A, é também não-demonstrável (A é verdadeira; então, não-A é falsa. Sendo falsa, é não-demonstrável), revela-se como o sistema é incompleto’.
Os dois teoremas de Gödel causaram muito espanto e grande polêmica. Ainda em 1933, ensaios publicados a respeito da filosofia da matemática a ele se referiam com certa dúvida, e até cerca de 1940 muitas objeções foram levantadas em torno. Em 1936 Gentzen levantou, por um método de raciocínio menos estrito que o de Gödel, as dúvidas a respeito da consistência da teoria dos números. [Francisco Doria – DCC]