A concepção teológica é, na moral, aquela que submete a atividade do homem aos cânones estabelecidos pela teologia.
No cristianismo encontramos diversas manifestações desse pensamento. Para Santo Agostinho viver moralmente é viver de acordo com a natureza de ser racional. A felicidade alcança-se pela posse da contemplação de Deus. A moral, segundo Tomás de Aquino, que segue o caminho marcado por Aristóteles apresenta como postulados fundamentais: “Se a felicidade humana é o fim da nossa atividade, ela só pode ser alcançada através de nossos atos. E esses atos nos levam, direta ou indiretamente, ao fim almejado. E a razão é o meio de que dispõe o homem para alcançar esse fim. O homem é um ser imerso no ser. É cumprindo a lei do ser que ele poderá alcançar a sua plenitude. Portanto a felicidade só poderá ser conseguida na plenitude do ser acabado e perfeito. E um ser racional não atinge sua plenitude na racionalidade? A moralidade só pode firmar-se no que favoreça a realização dos destinos humanos, no que permite alcançar o seu fim. A atividade moral deve coincidir com a atividade racional. Mas um ato é razoável quando é apto, por sua natureza, para obter o fim que intenta a razão, que é a felicidade”. “Onde quer que se estabeleça uma ordem de finalidade bem determinada, é de necessidade que a ordem instituída conduza ao fim proposto e que o afastar-se dela implique já o privar-se de tal fim. Pois, o que é em razão de um fim, recebe sua necessidade desse mesmo fim; de forma tal, que deve positivar-se, se se quer obter o fim; e uma vez posto, salvo o caso de força maior, o fim é conseguido”. (Tomás de Aquino, Summa Contra Gentiles, c.104).
Mas um ato de virtude não nos dá logo a felicidade, nem mesmo uma vida inteira, reconhecia ele. Há desgraças entre os momentos, infortúnios que surgem, azares que transtornam as vidas, conspirações de condições e, além disso, o escândalo constante dos ímpios triunfantes e a opressão sobre os justos. Tais fatos podem enfraquecer o descrente, que na descrença se abismará. São tantas as circunstâncias de que depende a felicidade, que esta e a virtude marcham isoladas muitas vezes. Mas a virtude pode realizar-se independentemente, por si mesma, embora não nos dê logo a felicidade. E muitas vezes a virtude não a alcança, o que é desconcertante. Por isso os estoicos acabam por considerar que não há verdadeiro bem humano fora do bem moral em si mesmo. A vontade de agir bem é o bem, e não há outro. Por essa razão Kant termina por afirmar que a moral não poderia pretender resultados práticos. A satisfação deve estar no dever cumprido.
Para Tomás de Aquino a moralidade não tem apenas a finalidade de satisfazer um formalismo abstrato, um imperativo sem fundamentação no ser, nem a mandamentos arbitrários, mas a mandamentos que estão no ser. A virtude é um autêntico prolongar dos instintos, sempre que estes sejam autênticos, que sejam realmente naturais, que pertençam ao gênio da espécie. Se os atos de bem não realizam desde logo a felicidade, eles são, no entanto, uma semente. Realizar a ordem do ser é santificar-se. A virtude vem de uma lei universal. Nossas obras “nos seguem”. A realidade não é moral por si mesma, mas o é em sua totalidade, porque o ser o é, e Deus é o Ser Supremo. E esse ser está no universo e em cada homem. É o ser em nós que nos incita ao bem, à felicidade. E se unirmos nosso esforço ao do Ser Supremo seremos invencíveis, porque permanecemos na ordem universal.
A boa consciência é uma força. De que valeria a virtude se ela não lutasse pela conservação do ser e por ampliá-lo? Ela não se apoia em mal-entendidos, em ilusões, em preconceitos. Se tende a realizações temporais, tende ainda mais a realizações intemporais, extratemporais, sobrenaturais, porque o ser ultrapassa a tudo quanto é limitado. Nossa natureza integral não se prende apenas à natureza. O que podemos realizar, como seres daqui, é apenas uma parte do que podemos realizar.
Não se exclui da ideia da felicidade a de prazer. Conhecemos prazeres entre dores e mágoas. O prazer é também uma perfeição, pois é o cumprimento de uma ação vital. É um complemento intrínseco das operações vitais. Quando Spinoza diz que o gozo é “a passagem de uma perfeição menor a uma perfeição maior”, e a tristeza o inverso, não o negava Tomás de Aquino, pois dizia o mesmo. Eis porque todo ser humano deseja o prazer. Se vivemos por que não levar até o seu último termo o gosto da vida?
Perguntava Aristóteles em sua Ética se teria sido criado “o prazer para a vida ou a vida para o prazer”. Tomás de Aquino é decisivo. Repele esta última possibilidade e aceita a primeira. Não é o deleite que dá a intenção à criação; o deleite é secundário. O prazer é um bem em si, não por si mesmo. É um bem e um germe de novos bens. Sempre que ligamos a agradabilidade a alguma coisa, fazemo-la melhor. Conclui-se que se a virtude for realizada com gosto, ela torna-se mais virtuosa. O prazer não é um óbice à ação, salvo quando a ela se opõe. O prazer da ação ativa o homem. Por isso Tomás de Aquino não o condena. Ele está no cume de todas as coisas. O gozo de Deus é Deus. Deus é beatitude.
Mas nossos prazeres são passageiros, transeuntes, frágeis, relativos e proporcionais ao bem que os acompanha. Desaparecido o objeto, desaparece o prazer, desvanece-se. Desejamos um prazer eterno. Reprova Tomás de Aquino as investidas que se dirigem ao prazer, que só as aceita quanto ao prazer irracional e abusivo. Há prazeres nobres e há prazeres viciosos. Toda forma viciosa ofende a razão.
O prazer é um bem, mas como não é o primeiro, é consequentemente secundário. Se ele favorece à vida, não é a vida. Quem se sentiria satisfeito de ser rei apenas de pantomima? A natureza uniu o prazer à ação. E se assim é, evidentemente o prazer favorece a sua normal atividade. O maior prazer corporal está ligado ao que respeita a espécie. Há, no prazer, um valor. Se a posse de uma verdade nos dá um prazer é porque nutrir-se corporalmente é um bem para a vida do corpo. Há bens maiores e menores. O prazer está ligado ao objeto. Gozar por gozar é contra a razão e, portanto, imoral. Se afeta apenas a ordem da vida é uma falta leve, mas quando tais prazeres transtornam os valores da vida, desorganizam-na, o dano que produzem revela a sua imoralidade.
A moral é portanto, para o homem, a arte de chegar ao seu fim. E este fim é o bem, e esse é a plena realização de si mesmo, de sua natureza humana. E é moral o meio que a facilite. Desrespeitá-lo é provocar a sanção que sobrevem consequentemente. As ações humanas devem enquadrar-se numa realização moral: as ações naturais devem ser realizadas naturalmente; as humanas, humanamente, livremente.
Há uma lei imanente que dirige o mundo; na verdade, leis que se subordinam à Lei primeira. Sair da ordem natural, o que o homem pode devido ao seu livre arbítrio é ser mau, e é ele por isso responsável. O homem quer o bem e não pode fugir a essa lei. Mas pode escolher entre bens diferentes. Há uma moral imanente que o homem pode descobrir; é a moral da própria vida. Não é a moral heterônima e imposta por Deus. A moral é imanente ao ser e a sanção surge da própria imanência. O prêmio está no cumprimento dessa lei e o castigo sobrevem porque nos afastamos da rota ascensional imanente do ser. A virtude é o meio racional da felicidade; e o vício, o desdém irracional desse meio. A virtude é um meio e não um fim.
“O valor da vida é a razão do respeito à vida; o valor da saúde, a razão da higiene; o do saber, a razão do estudo; o de nossas relações recíprocas, a razão da justiça; o da felicidade integral, a razão da virtude em sua integridade também”, afirma Sertillanges.
Se não há correspondências sempre neste mundo, se são precárias as nossas seguranças na vida presente, esta não é um termo final, lembra Tomás de Aquino.
“A moral tomista é uma moral sem obrigação, uma moral sem sanções. Repele o legalismo kantiano ou escotista para permanecer com a filosofia do ser evolutivo sobre a base de Deus; e quanto às sanções, não conta com ‘recompensas extrínsecas’ , mas com o resultado de uma evolução normal, dentro e sob a garantia de uma ordem que sabemos ser da divindade”(Sertillanges).
A moral é o cumprimento da Lei divina do ser, e é cumprindo-a e nela elevando-nos, nela exaltando-nos, que alcançamos a plenitude do ser, a suprema felicidade do ser que, em sua plenitude, realiza a plenitude de si mesmo. [MFSDIC]