filosofia medieval

O sentido aristotélico da palavrafilosofia” continua através da Idade Média; mas já no começo desta desprende-se desse totum revolutum, que é a filosofia de então, uma série de pesquisas, de questões, de pensamentos, que ao separar-se do tronco da filosofia, constituem uma disciplina à parte. São todos os pensamentos, todos os conhecimentos que temos acerca de Deus, já os obtidos pela luz natural, já os recebidos por divina revelação. Os nossos conhecimentos acerca de Deus, e sobretudo os de origem revelada, se separam do resto dos conhecimentos e constituem então a teologia.

Pode-se dizer assim que o saber humano durante a Idade Média dividiu-se em dois grandes setores: teologia e filosofia. A teologia são os conhecimentos acerca de Deus, e a filosofia os conhecimentos humanos acerca das coisas da Natureza e até mesmo de Deus por via racional. [Morente]


Afirma-se com frequência que a Idade Média testemunhou um escasso desenvolvimento em filosofia (a busca da verdade especulativa), maciçamente submetida como estava aos preceitos e ditames da cristã, judaica ou islâmica. A reflexão filosófica autônoma estava severamente restringida, mas a imposição de um quadro de referência teológico ofereceu um novo desafio, apresentando novos temas e problemas para consideração, um pouco como no caso das ciências em tempos mais recentes. A filosofia medieval também justifica sua consideração pelo papel que desempenhou na transmissão do pensamento antigo, na preservação de um certo grau de continuidade e por sua influência sobre pensadores mais recentes, como Descartes e Leibniz.

Durante a Idade Média, a “filosofia” abrangeu um campo mais amplo do que em tempos modernos. A filosofia natural englobava muitas ciências particulares, como a astronomia, e os métodos filosóficos eram também aplicados ao direito e à política. Apesar de seu estreito relacionamento e interação, a filosofia (um sistema de conhecimento regulado pela razão) e a teologia (um corpo de verdades reveladas apoiado na fé) eram claramente distintas. A justaposição de fé e razão formou a filosofia crista, predominantemente preocupada com a reconciliação de Deus e do mundo natural; mas, dentro desse quadro de referência, existiam grandes variações.

As fontes do pensamento ocidental medieval eram: a Bíblia; as obras que constituíam o conjunto da patrística; as filosofias grega e, em menor grau, romana (especialmente o platonismo e o aristotelismo); o neoplatonismo; os sistemas árabe e hebraico dos séculos X—XII (especialmente os de Alfarabi, Avicena, Averróis, Avicebrol e Maimônides); e noções ligeiras de ciência grega e arábica (a matemática de Euclides e a astronomia de Alacens). Tudo isso foi transmitido ao mundo ocidental em épocas diferentes e em diferentes proporções, misturando-se para formar muitos conceitos diferentes. Antes de obras árabes e hebraicas chegarem ao Ocidente, durante o século XII, ele não possuía um conhecimento direto da parte principal e mais significativa das obras de Aristóteles ou do neoplatonismo, e o platonismo só veio a ser totalmente redescoberto no final da Idade Média. Anteriormente, recorria-se aos escritos neoplatônicos/platônicos dos padres da Igreja, sobretudo Santo Agostinho. Só no século XIII surgiu uma série de sistemas baseados num corpo coerente de metafísica, resultando enfim a crescente independência da filosofia na dissolução de sua parceria com a teologia e no colapso da estrutura da filosofia medieval.

Fílon (século I) tinha sido o primeiro a tentar uma síntese da fé revelada e da razão filosófica, seguida pelos neoplatônicos. Santo Agostinho iniciou a assimilação do neoplatonismo na doutrina cristã para fornecer sua interpretação racional. Boécio traduziu para o latim algumas das obras de Aristóteles e Porfírio (neoplatônico), e sua De Consolatione Philosophiae foi influente durante toda a Idade Média; João Erígena foi, entretanto, o primeiro a desenvolver um sistema completo, de caráter acentuadamente neoplatônico e baseado em sua tradução dos padres da Igreja grega (Orígenes, Pseudo-Dioniso).

As escolas das catedrais no século XI promoveram a discussão filosófica em torno do debate sobre os universais (relação de gêneros e espécies com indivíduos) e a controvérsia sobre dialética, defendida por Abelardo e os peripatéticos, contrariada por Pedro Damião e os místicos, e reconciliada por Anselmo e a Escola de Bec. O século XII viu um movimento no sentido de uma escolástica desenvolvida, um amplo sistema de conhecimento no âmbito de um quadro dogmático de referência consubstanciado nos vários ensinamentos dos novos escolásticos universitários. A explosão de conhecimento causada pelas obras árabes e hebraicas foi utilizada por teólogos escolásticos como Roberto Grosseteste e Roger Bacon no século XIII, numa tentativa de criação de um saber universal que abrangesse todas as ciências e fosse organizado pela teologia. A crescente independência filosófica e o triunfo final do aristotelismo, através das tentativas de Alberto Magno e Tomás de Aquino para assimilar o novo conhecimento, geraram conflitos, principalmente na Universidade de Paris. Guilherme de Auvergne (1180-1249) e Egídio de Roma (1247-1316) denunciaram a ameaça do pensamento pagão e islâmico, e da razão independente, enquanto que os averroístas sustentaram o dever do filósofo de seguir a razão humana até as suas conclusões naturais. Tinha começado a cisão entre filosofia e teologia.

No final da Idade Média, os métodos filosóficos mais antigos foram formalizados em escolas definidas de pensamento, como o tomismo, o averroísmo e o scotismo, promulgado por Duns Scotus, que negou a auto-suficiência da filosofia. No século XIV, tomismo e scotismo eram a via antiqua, em contraste com a via moderna fundada por Guilherme de Ockham, que tentou desvincular a fé e a razão, e reforçá-las separadamente. Essa tendência de afastamento do aristotelismo foi ampliada por Jean de Mirecourt e Nicole d’Autrecourt, e acentuada pelo misticismo especulativo de Eckhart. Pensadores cristãos como Nicolau de Cusa retornaram ao neoplatonismo, abrindo caminho para o platonismo renascentista. (DIM)